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Bolada, Boleiros & Mariquinha

Uma história de futebol e amizade em comunidade da Vila Carioca, no Ipiranga

O bar-mercadinho da Dona Mariquinha é tradição: centro de reunião da Vila Carioca desde os anos de 1970  | Foto: Rogério Albuquerque

São velhos amigos, amigos hoje velhos (ou quase). Trabalhadores, metalúrgicos cujo lazer era o futebol de várzea do fim de semana. O local dessa história: o mercadinho-bar da dona Mariquinha e campos da Carioca, a vila mais operária da região do Ipiranga.

Era um tempo atrás do tempo, como se diz, do tempo em que se amarrava cachorro com linguiça. Um tempo inocente (ou quase ou só um pouco). Era um tempo que dá saudade e calor no pensamento, porque é o tempo afetivo da memória.

O Bolada, o time que movimentou a paixão do coração dos homens simples dessa história, é também um retrato na parede do bar, mas não dói como a Itabira de Carlos Drummond de Andrade.

Os craques de ontem são hoje retratos na parede da Mariquinha. Passado que o tempo não levou | Foto: Rogério Albuquerque

Dona Mariquinha e o mercadinho

Dona Maria Delgado Rodrigues, chamada Mariquinha, hoje com 90 anos, abriu seu Mercadinho Colorado, na rua Colorado, em 1974. Então seu estabelecimento foi ocupar um salão vazio. Não tinha nem alma penada ali.

Ela entrou praticamente com a roupa do corpo e foi progredindo, até o que se observa hoje: prateleiras com mantimentos, balcão refrigerado, equipamentos, mobiliário etc. etc.

“Eu comecei sem nada aqui dentro, umas caixinhas de cebola, umas caixinhas de batata. Aí comecei a comprar madeira, a fazer as prateleiras. Aí comecei a montar as prateleiras, comecei a montar tudo. E estou aqui até hoje. De 74 até agora, estou com 48 anos aqui dentro”, rememora com precisão.

O lateral-direito Maurício e a primeira camisa do Bolada, hoje emoldurada | Foto: Rogério Albuquerque

Seu Maurício e a prosa

A história continuou no tempo, e os antigos craques do Bolada hoje são craques de contar história. “Eu vim pra jogar… Vim pra jogar conversa fora”, diverte-se Seu Maurício, um desses atletas de fim de semana que vestiu o manto sagrado do Bolada, hoje aposentado.

Neste sábado de outono, Seu Maurício, Seu Paulinho, Seu Ditinho e Dona Mariquinha, uma apoiadora histórica, estão aqui reunidos, nesse bar-mercadinho convertido em sala de troféus conquistados pelo Bolada, para rememorar, jogar conversa fora que a gente tenta catar no ar.

O centroavante Paulinho com um dos muitos troféus conquistados pelo clube | Quadro da primeira formação do Bolada, com uniforme presenteado por uma gráfica | Fotos: Rogério Albuquerque

Primeiro fardamento foi patrocinado

Time do coração dessa história, o Bolada surgiu de um tradicional jogo de casados contra solteiros no meio do ano de 1986. A brincadeira ocasional se transformaria em compromisso formal, com fardamento patrocinado pelo Élcio, de uma gráfica local. Então a equipe mandava (e obedecia) seus jogos no campo do União Mútua, ícone da várzea ipiranguista.

Ditinho exibe com orgulho o troféu que o Bolada ganhou, invicto, pela conquista da Copa de Inverno de futebol society em 2003 | Fotos: Rogério Albuquerque

E o nome Bolada quem foi que batizou? Veio de duas origens: de um companheiro que se dependurava em alambrados para comemorar um gol e da personagem Bolada, um torcedor fanático por futebol, criada pelo humorista da TV Chico Anysio.

Os avisos do próximo jogo eram escritos com giz num quadro-negro na Mariquinha. Era o WhatsApp da época | Fotos: Rogério Albuquerque

O Bolada faria sua história na várzea da região, batendo adversários, sendo batido, amealhando muitos troféus, até os dias de hoje, agora no campo do time Vila Carioca. São os continuadores da obra inicial dos pioneiros que hoje entram em campo.

A maior parte desses troféus está ali em cima, luzindo na prateleira superior do mercadinho-bar da Mariquinha. A menor parte está abrigado no bar do André.

A primeira sede do time tinha sido em outro comércio da região, o estabelecimento da Mariquinha seria o segundo, mas não o último.

“Aqui eles ficaram 25 anos. Depois de 25 anos, mandei todo mundo embora”, gargalha Dona Mariquinha

Arena Unidos da Vila Carioca, campo de outro time da vila, que também é a casa do Bolada FC | Foto: Rogério Albuquerque

Craques do passado são hoje fotografias e memória

Essa mulher longeva, de voz e memória firmes, vai buscar um álbum de fotografias antigas. E craques e formações e rainhas e princesas da várzea da região vão reencarnando aos nossos olhos espantados.

Onde estarão eles? Jogando nos campos do Senhor?

Times estruturados, com quadros sociais, diretores, boleiros, bares-sede das celebrações, muita comunidade, muita cachaça, cerveja e churrasco. Essa era (ainda é) a Vila Carioca, lugar de gente humilde e futebol de várzea.

Qual foi e é o significado do Bolada na vida do senhor, Seu Paulinho?, perguntamos.

“Uma grande amizade.”

 

Comunidade unida pra montar a bandeira do time, preparando o campo para o jogo de casados contra solteiros em 2021 | Fotos: Alê Moreira | Divulgação

E hoje é sábado (6), dia de reunir todos os amigos da comunidade do Bolada, pois esse orgulho e glória da Carioca está fazendo 37 anos. 

Parabéns!

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